sábado, 9 de julho de 2011

A Ceifeira

Eu não sei como vos contar esta história. Uma história algo caricata por sinal, mas ao mesmo tempo um pouco estranha daquilo que é natural do nosso dia a dia. Perdoem-me a minha antipatia pois de facto ainda não me apresentei. Eu chamo-me Vicente e sou dom dos meus 31 anos da época de 1888. Penso que esta apresentação é a necessária ao cenário que vos vou descrever, pois eu não vim aqui para falar de mim, mas sim dessa tal história que enquanto falo convosco, ainda não encontro forma por onde começar. Se calhar a melhor forma mesmo é contar como eu fui dar com tal situação, pois sendo eu a contar em primeira mão, penso que é de bom tom explicar-vos tudo, para não levarem esta história como sendo uma fantasia, pois isto só encontro nos contos de fadas, mas afinal é tão real como eu e tu, pequeno ou grande leitor deste texto.
Então é assim. Eu sou de uma família que provem de várias gerações e talvez por isso exista tantas ligações com a minha família os Monteiro Lencastre. Essa minha família tem o chamado “sangue azul” pois provem de longínquas gerações da nobreza. E para quem não sabe o “sangue azul” é assim denominado, porque antigamente servia para qualificar um membro da nobreza e essa denominação vem de Espanha.
A aristocracia de “raça pura”, descendente da população original de pele clara, que não se havia misturado com os mouros de pele morena, orgulhava-se do facto de que podia ver o sangue venoso, de tom azulado, através da pele.
Mas essas são “outras marés” como diria a minha avó. Mas aquilo que eu disse serve para pegar também na história, pois os ditos nobres da minha família não se misturavam com os mouros, mas não queria dizer que não se misturassem com outras classes da mesma raça e a história que vos tenho para contar é uma história do verdadeiro amor, que por muito tempo foi escondido pela minha família talvez por vergonha, ou estupidez profunda.
Eu não me orgulho por completo da minha família, pois talvez seja o facto de muitos deles serem diferentes de mim, não na cara pálida, mas sim no seu tom ou densidade do cérebro, pois até o cérebro deles deve ser feito de ouro e jóias pois só vêem os bens matérias há sua frente e se calhar eu fui herdando os genes de humildade e genuidade que poucas pessoas vou conseguindo nesta enorme hierarquia e que para mim essa é a maior riqueza.
Entrando na história em si, eu sabia que a minha família coleccionava escudos e espadas de batalha, quintas e ouros dessas guerras que por mortes tanto se orgulhavam, mas não sabia que no meio de uma hierarquia tão fascista existia uma história de amor profunda e luminosa, que é o tesouro que eu guardo da minha bisavó que Deus a tenha com muito amor. No meio de tanta ganância e interesseiríssimo, também existe boa gente na minha família e como em todas elas, os tesouros vão se herdando de uns para os outros. Então aquele que eu guardo não é um tesouro vulgar e que me torne rico para ser dono do mundo, mas sim um tesouro que me torna rico para ser dono do universo, pois como dizia a minha bisavó “quem pouco ambiciona tudo tem”. Lembro-me como se fosse hoje. Ela morrera aos meus braços quando era uma criança, mas sabendo que se aproximava a sua hora, dera-me a chave de ouro daquela caixinha que há tanto me havia deixado, mas que não conseguia abrir e ela disse-me que conseguiria quando fosse altura e fosse senhor de guardar o que havia lá dentro. E quando ela morrera disse “a minha missão está completa” e ao meu ouvido disse como se suavemente murmurasse agora, “este é o meu tesouro para ti, como foi dado chegando até a mim em longas gerações, trata bem dele e que te ensine como viver a vida”. Quando os seus olhos se fecharam e a sua pulsação já não chegava há minha sensível mão de menino, lembro-me de chorar dias e noites e lembro-me de tentar falar com a lua há espera que ela estivesse lá a falar para mim e que houvesse a resposta dela como imaginara sempre por telepatia.
Mas houve um dia em que consegui levantar-me, os meus pais já estavam impacientes porque não percebiam o porquê de tanto sofrimento, para eles a morte era normal e pareciam que tinham 24 quilates de ouro enterrados em vez do coração, pois tudo o que sentiam era a ganância desse mesmo ouro e da sua fama de heróis da pátria pelos antepassados. Então querendo fugir de todo aquele aroma de intensa fraude. Decidi fugir, fugir para nem longe pois não era preciso não se preocupavam comigo, mas sim fugir para o leito do povo, entre aqueles enormes campos que eram meus, onde havia lavradores, vaqueiros e as ceifeiras, que mal sabia eu que este nome me iria mudar a vida. Então entre aquele aroma que eu considerava genuíno, consegui recolher as forças para abrir o baú que a minha avó me havia deixado. Essas forças vinham com a brisa do sabor do campo onde eu sentia raízes e não sabia como isso era possível. O baú nunca fora muito grande, pois eu não imaginaria o que iria estar lá dentro e quando o abri senti um enorme espanto pois tudo o que lá tinha era uma folha! Uma folha velha e amarrotada que parecia vir de um caderno, ao início fiquei um pouco confuso, mas nunca desiludido sempre confiei na minha querida Hermínia a minha bisavó e sabia que ela nunca me iria desiludir. Quando abri a folha, foi maior o meu espanto! Era um mapa! Um mapa daqueles que parecia dos piratas, com a mesma forma apenas os desenhos eram mais requintados na minha perspectiva.
Ao inicio pensei que aquele mapa iria dar a um tesouro, mas isso decepcionou-me porque sabia que a minha bisavó nunca fora do género da minha outra família, que sim custava-me considerar a essa família. “O que pensei logo foi se os meus pais souberem da existência deste mapa, irão querer logo meter a mão nele” e então como estava mesmo com ideia que aquilo não iria valer de nada, por ser mais um monte de jóias das quais estava sempre a ver e era várias vezes confundido com elas, estava francamente decidido a dar-lhes até o mapa de mãos a abanar. Até que acordei neste pensamento abstémio e disse para mim mesmo “se fosse para lhes dar a eles, a minha querida Hermínia já lhes teria dado e não se importaria comigo e a confiar em mim”. Então foi aí que me senti nobre, mas um nobre aventureiro que procurava nova costa nos mares do mundo, mas aqui eu procurava um tesouro guardado na mesma quinta onde vivia.
Eram normais todos os caminhos por onde passara e o mapa era ainda grande quando me apercebi que ia dar ao encontro do quarto da minha querida falecida. Entre risos da minha inocência senti que começava a não fazer sentido ficar só por ali aquele caminho, pois a minha avozita sempre gostou daqueles gestos aventureiros sinistros e com acção, se calhar até era por isso que contava historias tão boas para eu adormecer.
Pensava eu que chegara ao “fim da linha” no quarto da minha avó, quando observo que o mapa não acabava naquele local, havia uns caminhos estranhos ainda por percorrer e começava a achar aquilo bizarro. O quarto dela agora parecia conter horrores agora assim tão sozinho e parecia conter brisas sorrateiras a arrepiar-me a espinha entre aquelas janelas entreabertas e a rincharem por serem tão velhas e aqueles quadros que tantas caras guardavam e nenhuma eu conhecia. Começava a ter um pouco de medo confesso, mas algo tinha de ser bom numa família de nobres e sem dúvida que se havia coisa que eu conseguia ser, era valente! E como começava a anoitecer acendi uma vela, pois não conseguia passar daquele local. Fui estudando o mapa até que percebi que só poderia haver uma passagem secreta e então comecei a procurar por detrás dos quadros, da cama e em todos os cantos, até que abri o armário e arrancando aquelas roupas já cheias de teias de aranha e os ratos a saltarem cá para fora deparei-me com uma porta com um pequeno puxador e que continha as mesmas letras de um local no mapa, onde dizia registado nessa mesma porta Dº Rosa. Eu não sabia o que daí viria, mas sabia que só podia ser aquele o local. Descendo umas escadas, fechei a porta e estava tudo escuro até que bati com a cabeça em algum local onde senti ser uma tocha e com o fósforo iluminei-a para conseguir ver. Era um local magnifico por ser tão bem delineado onde continha um grande jardim e as rosas eram as flores mais predominantes e existia uma coisa que não entendia. É que ao lado de tanta coisa bonita, com fonte de água e tudo, existia um pequeno campo de trigo dourado que abrindo-se ao sol brilhava como o ouro e havia forma de ver o sol, pois existia um pequeno portal que se conseguia abrir e dava ao exterior pois as flores necessitam do sol. Mas aquele portal ia dar ao chamado paraíso pois era um sítio lindo onde nunca tinha estado e além de ser noite no primeiro dia que fiz visita, nos outros ia encontrando cada vez mais beleza naquele local que não se ia murchando e trazia mão de Deusa para se resistir assim. Não conseguiria suspeitar que mais alguém sabia da existência daquele local, pois pensava eu ser o único.
Descrevi todo este local porque lá mesmo no centro estava o baú. O baú do tesouro que abri com a mesma chave e de onde saia o brilho que parecia do sol que me ofuscava o olhar. Tinha muita riqueza em jóias e ouro que a todas eram dedicadas a uma Dº Rosa, mas continha também outras coisas de muitas pessoas e gerações distintas e também continha um toque da minha bisavó. E entre todas aquelas belezas de anéis e colares, fui encontrando coisas como cadernos, uma própria foice dourada, e roupas de ceifeira mas que estavam em forma de ouro, mas existia lá um caderno que fugia a essa regra de tudo ser de ouro. Era um caderno simples onde as folhas estavam amarrotadas e queimadas do próprio sol, onde também se conseguia observar que estavam as folhas rasgadas e tintadas parecendo da relva.
Esse tal caderno era de uma ceifeira e foi daí que percebi o porque daquele sítio ser a adorar uma Dº Rosa. Esse caderno estava retratado como sendo o diário desse ceifeira que se chamava rosa e que facilmente descobri porque aquele sítio era adorado a ela, pois sem dúvida que fora um anjo enviado há Terra por Deus, daqueles que eu lia da bíblia e que já não consigo ver nos meus dias. Então ela escrevia lá os seus dias de “fio a pavio” num caderninho que era humilde mas continha as palavras mais sábias da bondade do mundo. E existe uma passagem nele que é bem descrita a vida da minha tetra tetra tetra tetra(…) avó que se chamava Rosa. Essa passagem foi escrita à imenso tempo e irei retratar “nesta folha de papel” como está naquele caderno que tanto estimo.



01-20-1434

Olá meu dom caderno. Oje acurdei cumo todos os dias naquel palheiro que tanto avençouo em ter e torta me levantei cmu sempre d travesseira pois masi uma vez sonhei em munto. Posso ser munto nova ns mes 24 ans mas isto de sonhari assi canse-me munto. Masi uma vezi lá estava me madre Maria a acurdari para bulir no campum com me padre tambénhi. Inda na conseguia dormiri com tantos pesadelu pensando neli, no meu maneli que nem tempo deu para casar e fora morto pelos mouros revoltados. Inda benhi que inda assi a minha vida andou. Foi como sempri a tratar do campo e a lavar a casa, mas hoji sei que uma coisa me torna filiz. Dom Guilhermo. Eu mi apaixonara quando o vi na primera vez naqueli cavalo tico que é branco. Sinto qui o amor toma-me como se fosse Deus a puxar por mi. Sempri que vou há missa sinto qui gostava de aprenderi mais com padre António a escrever e a leri, mas sei qui tem de ser ás escondidas porque se não ainda acontece o prior. Sinto-me feliz pois a minha vaquinha Chica deu há luz seus bezerros que são para mim as meus tesouros. Meu ouro. Quero sempre cantar e ser feliz agora tenho di ajudar mi madre qui ta chamare. Bejo mi querido. Te depois.


A vida desta mulher deu imensas voltas e como podem ver neste dia que retirei ela era simples, humilde e vivia o amor com o meu tetra tetra tetra(…) avo Guilherme que era um nobre de bom coração e que nas imagens das pedras do local secreto, se pode ver que era um bom homem e louco de amor por esta mulher linda que se enche de retratos e poemas pra ela. Esta mulher nunca desejou nascer ceifeira, mas também nunca teve vergonha disso. Meu avo Guilherme pelos registos casou com ela e ela conseguiu estudar muito como sempre quis e nunca fora impedida pelo meu tetra-avó que a amara tanto quanto ela a ele e de tantas gerações afinal houve um arco íris entre tanta tempestade. Houve um verdadeiro amor que para alem de perseguido pelos pais de Guilherme, fora vivido por tantos anos e que fez esta mulher ceifeira feliz antes de se tornar “rica”, mas mesmo rica continuara ceifeira e recolhera muitos escravos como anjo protector de varias injustiças da época. Esse bom coração desta mulher que com nada nasceu, tudo teve pelas suas boas acções e sua beleza divinal. Seu bom coração é inspiração para os que sabem da sua história e hoje sou eu que continuo com o seu árduo trabalho, pois este local guarda imensos segredos e histórias. Rosa fora morta mas antes disso deixara outras tantas pessoas a salvo que são como ela, ceifeiras e divinais! O ódio de Guilherme a nada levou que fora enviado pelo Rei JoãoIII para a guerra em África também morrendo lá mas deixando os seus descendentes e amizades, onde perdura um segredo que poucos sabem e onde vos contarei num outro próximo capítulo.



Por TheFeelJordi 2011